terça-feira, 9 de abril de 2024

A economia decola, mas cuidado com o voo de galinha...

Semana de 01 a 07 de abril de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como sabem nossos leitores mais assíduos, as economias capitalistas se desenvolvem alternando entre momentos de maior e menor crescimento. A esse movimento periódico e regular chamamos de ciclo econômico, cujas fases são quatro: crise, depressão, reanimação e auge.

Os nomes já sugerem o que ocorre em cada fase. A crise é o momento em que      a economia como um todo desacelera, interrompendo-se um forte crescimento generalizado. Em seguida, na depressão, a economia fica quase estagnada e o crescimento atinge os níveis mais baixos (podendo até decrescer). Em seguida, a economia decola, o desemprego se reduz, as compras aumentam, o crédito retoma sua força, o consumo se eleva, etc. Essa é a fase de reanimação do ciclo. Por fim, vem a fase de auge, onde a euforia geral leva o crescimento ao seu nível máximo, preparando o terreno para outra crise.

Em sintonia com o texto da semana passada, a análise de hoje vai argumentar que a economia brasileira está em reanimação. Contudo, há um fator limitante a essa recuperação e que vai reduzir o auge que o país poderia alcançar: a desindustrialização.

A primeira boa notícia vem do mercado de força de trabalho. Semana passada já vimos que o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados registrou, em fevereiro de 2024, um saldo positivo de 306 mil admissões de trabalhadores. Este aumento nas contratações foi espalhado por todos os setores da economia: indústria, agricultura, serviços, comércio e construção civil. Além disso, a PNAD Contínua mostrou que, no trimestre encerrado em fevereiro de 2024, o rendimento médio habitual do brasileiro cresceu 4,3%, em relação ao mesmo período do ano passado. Por fim, os dados do IBGE mostram que o nível de subutilização da mão de obra caiu para 17,8% do total da força de trabalho brasileira (em 2021 era de 29,3%).

A segunda boa notícia vem dos empréstimos. Na semana passada, o Banco Central elevou a estimativa de crescimento no crédito livre às pessoas físicas, que deve subir 10% esse ano, em relação ao ano passado. O motivo é a aceleração da concessão de empréstimos às famílias. Em janeiro de 2024, segundo estudos da PicPay, a parte do crédito que está ligada ao consumo (financiamento de bens, cartão de crédito, etc.) subiu 14,4%, enquanto aqueles ligados às dívidas (cheque especial, rotativo, não consignado, etc.) subiu 7,1%. Além disso, o mesmo estudo mostra que, apesar de ainda elevada, a inadimplência das famílias brasileiras tem caído intensamente. Isto se associa, por um lado, ao aumento da renda e, por outro, à redução da Selic, que ajudou a baixar os juros.

Na indústria, um setor tem se destacado: o automobilístico. No total, foram anunciados investimentos de R$ 106,85 bilhões para os próximos anos no Brasil. Por isso, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes, o setor de autopeças vai investir mais de R$ 6 bi já em 2024. Isso deve criar mais de 5 mil novos empregos diretos. Ainda na indústria, segundo a FGV, este foi o setor que mais contribuiu com o Indicador Antecedente do Emprego de março passado, que aumentou em relação a fevereiro. Por fim, em termos de produção, tanto a indústria de bens intermediários (1,5%), quanto as de bens de consumo duráveis (1,0%) e não duráveis (2,2%), apresentaram crescimento nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro de 2024.

Porém, e aí está o grande problema, o índice médio da produção brasileira de bens de capital dos últimos 12 meses (março de 2023 a fevereiro de 2024) está 9,5% abaixo do observado nos 12 meses anteriores (março de 2022 a fevereiro de 2023). Por sua vez, nessa mesma comparação, o índice médio da quantidade importada de bens de consumo subiu 1,4%, o de bens de capital subiu 3,2% e o de bens intermediários subiu 11,4%.

Esses dados mostram que, caso a indústria brasileira não entre de vez e de forma generalizada na reanimação do crescimento econômico, essa decolagem tem tudo para ser um voo de galinha: sai do chão, mas não vai tão longe. Isto porque nossa indústria perdeu capacidade de fomentar o nosso próprio crescimento (interno). Com isso, cada vez mais os estímulos da nossa demanda local por bens industriais têm sido transferidos para fora do país, via importações.

Para mudar isso, é preciso iniciar imediatamente os investimentos/financiamentos públicos em infraestrutura pesada, como portos, rodovias e energia. Além disso, conduzir de forma bem articulada uma política industrial que renove o parque produtivo brasileiro. A missão é essa e o governo sabe disso. Mas, colocar em prática é que é o busílis.


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Maria Fernanda Vieira, Guilherme de Paula, Lara Souza, Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo e Paola Arruda.

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quarta-feira, 3 de abril de 2024

Indicadores mostram que crescimento da economia se mantém

Semana de 25 a 31 de março de 2024

 

Rosângela Palhano Ramalho [i]

            

Caro leitor, é com grande satisfação que retorno à função de redatora das análises de conjuntura do PROGEB. A semana começa com fatos que revelam duas interfaces aterradoras do espectro político brasileiro. A primeira, se apresenta com o desfecho do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, após seis anos do ocorrido. A prisão dos mandantes do crime, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, (deputado federal e atual conselheiro do TCE-RJ, respectivamente, bastante conhecidos na esfera criminal) e o ex-chefe da Polícia Civil do Estado Rivaldo Barbosa, expôs a infiltração das milícias no Estado, a partir do envolvimento e da cooptação de agentes públicos. A segunda, se mostra a partir da reportagem que revelou o pavor que acompanha o ex-presidente Jair Bolsonaro. Interpretando que seria preso no Carnaval em virtude da apreensão do seu passaporte pela Operação Tempus Veritatis, o ex-presidente se escondeu na Embaixada da Hungria entre os dias 12 e 14 de fevereiro. Com a cristalina intenção de pedir asilo político, o investigado declarou que sua estada teve como objetivo “manter contatos com autoridades do país amigo.”

Em meio a este cenário trágico, a economia nacional segue crescendo, conforme já destacado em nossas últimas publicações. Várias entidades já revisaram para cima a previsão de crescimento do PIB em 2024 e a queda da taxa de juros de 11,25% para 10,75% com viés de baixa para a próxima reunião do Copom é outro elemento positivo a ser frisado, uma vez que juros mais baixos contribuem para estimular o investimento produtivo. Outra boa notícia vem do mercado de trabalho. Em fevereiro, foram criadas 306,1 mil vagas formais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O saldo está bem acima daquele projetado pelas medianas das diversas instituições que previam a criação de 230 mil vagas, obrigando-as a rever suas estimativas pelo segundo mês consecutivo. Além disso, verificou-se em março, o aumento da procura pelos serviços, principalmente daqueles intensivos em mão de obra. Os indicadores que constatam esta informação são a aceleração de preços do setor que ultrapassa os 6% e a alta do Índice de Confiança de Serviços (ICS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que alcançou seu maior nível desde outubro de 2022.

O governo tem se esforçado para fortalecer a economia nacional. Esta semana foi lançada uma ação federal que certamente trará reflexos na economia. O Programa Pé-de-meia fornecerá um incentivo financeiro a estudantes do ensino médio do setor público com o objetivo de garantir a permanência e a conclusão dos alunos nesta etapa escolar. Serão dez parcelas de R$ 200,00 por ano estudado, R$ 1.000,00 na conclusão de cada ano e mais R$ 200,00 pela participação do Enem. Estes recursos, à medida que forem injetados no sistema econômico, estimularão o consumo interno de bens e serviços.

As relações do Brasil com o exterior estão sendo restabelecidas aos poucos e buscam fomentar o crescimento interno. Esta semana o Brasil recebeu a visita do presidente francês Emmanuel Macron. Os dois países lançaram um programa de investimentos em bioeconomia na Amazônia no valor de 1 bilhão de euros, o que equivale a 5,4 bilhões de reais. Os recursos virão de uma parceria entre bancos públicos brasileiros e a Agência Francesa de Desenvolvimento. E, na intenção de expandir o leque de investimentos do país, o presidente Lula e a ministra do Planejamento Simone Tebet viajarão nas próximas semanas à Colômbia, Chile e Bolívia. Serão apresentados projetos de infraestrutura que compõem o projeto Rotas de Integração, que prevê alternativas de saída para o Pacífico e uma interligação entre Manaus e portos do Norte às Guianas. Como resultado, espera-se fortalecer o comércio intrarregional por meio do encurtamento do tempo de viagem dos produtos aos seus destinos.

Proativa, a gestão econômica do atual governo federal se opõe radicalmente à gestão anterior, que optou por não governar e alimentou cuidadosamente os desvarios mentais e reacionários dos que dela faziam parte. Felizmente, a realidade atual demonstra que o país está superando aquele quadriênio obscurantista, que quase nos levou ao caos. Por outro lado, restam velhas carpideiras que “alertam” insistentemente para os “altos riscos” da melhora na economia e sequer se desculpam por estarem reavaliando constantemente suas expectativas à medida que a realidade se impõe.


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Brenda Tiburtino, Valentine de Moura e Ryann Felix.

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sexta-feira, 29 de março de 2024

Economia em crescimento, mas queda na avaliação do governo

Semana 18 a 24 de março de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Continua ainda o berreiro com a desvalorização da Petrobrás. Tudo é culpa do governo que está interferindo nas antigas estatais, que foram privatizadas e transformadas em S.A. (s), com maioria de ações nas mãos do Estado. É curioso que ninguém faz qualquer referência a todas as S.A (s) do país quando seus sócios controladores tomam as mais diferentes decisões. Todos sabem que o sócio controlador tem o direito de mandar na empresa. Isto só causa aflição quando é o Estado o sócio controlador. O Estado deve gerir as estatais em função dos sócios minoritários, para lhes garantir o maior volume de dividendos possível. No momento, o descontentamento do mercado estende-se a outras empresas. O tal “mercado” está nervoso. Comenta-se que, dos 403 conselheiros a serem indicados para empresas estatais de capital aberto e fechado, o governo deve indicar 320 nomes, ou seja, 79,4%. Que horror! Apenas 72 conselheiros são indicados por acionistas minoritários e preferenciais. Há 11 indicados por entidades e conselhos nacionais. Dos conselheiros atuais, alguns foram indicados ainda pelo governo Bolsonaro. Naqueles tempos ninguém protestou. Há cerca de 45 conselheiros indicados por ministérios de governos anteriores e que ainda continuam nos cargos. Ao tentar regularizar esta anomalia, o governo atual provoca agora o berreiro. Então, o acionista majoritário não pode indicar os seus dirigentes de confiança?

Mas, na semana ocorreram outras notícias desagradáveis, imediatamente transformadas em manchetes e repetidas pela mídia. Foram divulgados os resultados de pesquisas sobre a aprovação do governo e, para desalento, todas mostraram queda nas avaliações positivas e aumento nas avaliações negativas. O fato curioso é que a queda das avaliações positivas se dá quando, ao mesmo tempo, são divulgadas notícias positivas sobre a economia. O PIB cresce, e as estimativas das diferentes consultorias são revisadas para cima, o desemprego cai, aumenta o emprego com carteiras assinadas, os salários elevam-se, as vendas no varejo aumentam, a arrecadação aumenta, a renda e o consumo das famílias aumentam. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), em sua reunião da quarta feira, reduziu a taxa de referência Selic, de 11,25% para 10,75%, prometendo só mais um corte de 0,5%, para a próxima reunião. Esta foi a novidade no comunicado chamado de “forward guidance”, que sinaliza os passos futuros. O Copom manteve ainda sua previsão de inflação, para 2024, em 3,5%. Esta alteração nos termos do “guidance” provocou várias reações de nervosismo na bolsa, com a desvalorização de ações e papeis de empresas brasileiras, pela suspeita de que o Copom pode encerrar mais cedo o ciclo de baixa da Selic.

Apesar deste ruido o Ministério da Fazenda, no Boletim Macrofiscal, publicado pela secretaria de Política Econômica, manteve sua estimativa de crescimento do PIB de 2,2%, para este ano, apontando um viés de alta. Destacou ainda o aumento do crédito bancário e a redução da inadimplência, bem como a recuperação da produção manufatureira e da construção. O Boletim Focus apresentou a estimativa de 1,8% e destacou que muitas consultorias já estimam em 2% e mesmo 2,5%. As publicações utilizaram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) e na Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS). Estes dados indicaram que, entre dezembro e janeiro, houve um crescimento, para os setores, de 2,5% e 0,7%.

Estamos diante de um novo fenômeno a ser explicado: a economia melhora, as pessoas vivem melhor, mas avaliam pior o governo. O ministro Hadad é bem avaliado, mas o governo Lula não, como se o ministro não pertencesse ao governo. Eis o resultado da internet, das redes sociais e da mídia movidas por razões ideológicas.

Este é o desafio que temos que enfrentar. Como derrubar o paredão das fake News e das redes sociais que não param de alimentar as bolhas ideológicas manipuladas pela ignorância mais grotesca e pelo fanatismo religioso.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Dulce Emile, Brenda Tiburtino, Maria Vitória Freitas e Lara Souza.

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terça-feira, 19 de março de 2024

Brasil e transporte rodoviário: por que não mudar esta relação?

Semana de 11 a 17 de março de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na análise da semana passada, destacamos que grandes montadoras (estrangeiras) de automóveis anunciaram vultuosos investimentos no Brasil. Juntando todas elas, que vão das tradicionais Volkswagen, GM e Fiat, até as “novatas” chinesas GWM e BYD, os projetos têm o potencial de chegar a R$ 100 bilhões em investimentos. Por um lado, isto é importante e necessário para o desenvolvimento industrial brasileiro. Por outro, pode ser uma nova amarra a limitar as possibilidades de desenvolvimento de outros modais viários no país.

A relação entre o Brasil e o setor automobilístico é muito forte. Desde o início da industrialização, especificamente a partir dos anos 1950, a atividade esteve dentre as maiores geradoras de emprego e renda por aqui. No começo, ainda tínhamos algumas empresas de capital nacional, como a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Gurgel. Mas, como a tecnologia aqui se desenvolvia muito lentamente e lá fora muito rapidamente, nosso mercado foi logo dominado pelas estrangeiras.

O motivo é que tanto os automóveis, quanto as plantas industriais, requeriam um conjunto de elementos tecnológicos avançados para nossos padrões. À época, vivia-se a industrialização liderada pelo paradigma tecnológico da indústria metal-mecânica-química. As atividades ligadas a essas tecnologias (eletrodomésticos, siderurgia, maquinários, motores, etc.) traziam o que havia de melhor, em termos de difusão de inovação e produção de valor agregado.

Contudo, o Brasil pagou um preço alto por ceder a liderança do setor ao capital estrangeiro: deixamos em segundo plano o desenvolvimento de outros modais de transporte, em especial o ferroviário e o aquaviário. Isto se deu por conta de vários fatores, que resultaram na priorização da construção de rodovias e no uso de caminhões e carros para o transporte terrestre. Por um lado, as rodovias exigiam (até hoje é assim) menores investimentos e tecnologia que as ferrovias e hidrovias e, por outro, beneficiava a indústria nacional ligada à construção civil e a outros setores industriais.

Mesmo com o enfraquecimento da atividade industrial (a desindustrialização), ocorrida a partir dos anos 1990, a atividade automobilística continuou sendo um dos carros-chefes da nossa economia. A diferença é que o domínio estrangeiro se espalhou para os fornecedores de autopeças, onde, em certa medida, prevaleciam as empresas de capital nacional.

O auge do setor foi na década de 2000, quando o Brasil passou a bater recordes de produção e emplacamento. Porém, a chave virou com a crise de 2015/2016, momento em que a capacidade produtiva se mostrou excessiva e as políticas neoliberais passaram a predominar nos ministérios de Temer e Bolsonaro. Assim, tanto a desaceleração da economia, quanto a falta de incentivos fizeram essa atividade regredir por aqui.

Na atualidade, como disse a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o que tem possibilitado o renascimento do setor no Brasil são os incentivos governamentais. Na esteira da “neoindustrialização”, foi lançado em dezembro de 2023 o programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que não se limita ao setor automobilístico, mas tem ele como centro. Como estímulo, o principal mecanismo de apoio se dará no campo fiscal, desde que as empresas se adequem a um conjunto de requisitos. Como o nome do programa sugere, o objetivo central é desenvolver “tecnologias verdes” nas áreas de logística e mobilidade.

E é justamente esse o problema: se o objetivo é desenvolver novas tecnologias e transformar a maneira como o Brasil realiza o transporte de cargas e pessoas, por que não mudar a relação que tem com o setor automobilístico? Aqui vão alguns caminhos, uns mais, outros menos óbvios, mas que não são excludentes.

Primeiramente, não seria esse o momento de o capital nacional participar de forma mais ativa neste processo, através de “joint ventures” e do compartilhamento de tecnologia? O empresariado brasileiro não deveria assumir parte dos altos riscos? Além disso, não seria também o momento de diversificar o modal viário, criando condições melhores para o renascimento dos transportes ferroviário e aquaviário?

Já sabendo que o capital privado nacional não vai embarcar nessa, resta ao Estado brasileiro assumir a responsabilidade, inclusive, utilizando estatais como parceiras das empresas estrangeiras (Petrobrás e BNDES, por exemplo). Esse seria um passo necessário para reduzirmos nosso atraso em relação ao resto do mundo e tomarmos as rédeas do nosso desenvolvimento.


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Felix, Paola Arruda, Valentine de Moura, Maria Vitória Freitas e Gustavo Figueiredo.

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sábado, 16 de março de 2024

Petrobrás vai à falência. Investidores fogem do país

Semana 04 a 10 de março de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Alerta! Atenção, povo brasileiro! A Petrobrás desvalorizou-se em R$ 55 bilhões! Atenção! O prejuízo acaba de aumentar em meio bilhão! (segundo a Globo). Houve uma queda de 33,8% nos lucros. Corram todos. Vendam suas ações! Pânico nas bolsas. O “mercado” está em polvorosa.

Mas, por que todo o berreiro? Que fatos provocaram tanto pânico?

Esta semana foram divulgados alguns dados sobre os lucros da Petrobrás. A empresa teve um lucro de R$ 124,6 bilhões. Não foi prejuízo, foi lucro. Viva! Resolveram distribuir dividendos aos acionistas. Tudo normal. Foram distribuídos R$14,2 bilhões de dividendos ordinários. Durante todo o ano de 2023 a empresa distribuiu R$72,4 bilhões aos acionistas. Ótimo! Este é o segundo maior lucro da história da empresa, é o terceiro maior lucro de todas as empresas de capital aberto do Brasil e o terceiro maior lucro entre todas as petroleiras do mundo. Isto ninguém diz.

Apurados os resultados, o Conselho de Administração decidiu distribuir os dividendos ordinários, mas não os dividendos extraordinários. Estes foram reservados para novos investimentos e aumento das reservas, o que é absolutamente normal. Aí começou o berreiro. Convém lembrar que a Petrobrás é uma Sociedade Anônima de Capital Aberto e, como tal, é dirigida por órgãos constituídos pelos acionistas, segundo o número de ações. Deste modo, em uma sociedade deste tipo, os acionistas que possuem a maioria das ações comandam a sociedade. Na Petrobrás, o governo possui 50,26% das ações ordinárias. O segundo grupo de acionistas são os estrangeiros com 14,02% e o terceiro são os institucionais com 3,46%. Assim, o governo tem o controle absoluto da Petrobrás e por isto deve indicar os membros dos órgãos dirigentes. É claro que as decisões do Conselho de Administração, como em qualquer S.A., seguem as determinações dos acionistas majoritários. Não é nenhuma surpresa nem absurdo que o governo, que tem a maioria das ações, influencie as decisões da empresa, como qualquer capitalista faria, em qualquer lugar do mundo. Por que o berreiro então?

Outro aspecto do problema: o valor de mercado caiu. A empresa perdeu R$55 bilhões. Que horror! Quantos petroleiros perdeu? Quantos poços de petróleo foram tomados? Quantos oleodutos, refinarias, veículos, plataformas foram perdidos?

Nenhum.

Tudo continua como antes. O tal valor de mercado é um número. Como as ações da empresa são negociadas nas bolsas de valores e como nestas bolsas os preços variam segundo os humores do “mercado”, ou seja, são os especuladores que determinam as variações da oferta e procura, são os proprietários destas ações que perdem ou ganham. A empresa em nada é afetada. Continua como está com o seu patrimônio e instalações intactos. Os especuladores e jogadores das bolsas é que perderam ou ganharam. Eis o problema. Os comentários na mídia obedecem aos interesses dos especuladores e não das empresas e muito menos aos interesses do povo e da nação. No caso atual, há a intenção de atacar o governo Lula pensando que podem fazer com ele o que fizeram com a Dilma. A conspiração para dar um golpe não terminou. Para nossa felicidade, não conseguiram pelo modo tradicional, pois desta vez os militares criaram um pouco de juízo (com uma ajudinha dos americanos, claro), apesar da fúria de alguns generais novos e velhos. Mas não desistiram. Continuarão por outros meios, via congresso, via judicial, via desgaste do governo se não conseguir apresentar resultados etc. Vão quebrar a cara. Em relação à Petrobrás, nada de pânico. Dentro de mais algum tempo, os especuladores voltarão a comprar e as ações voltarão a subir de preço e, tão milagrosamente quanto perdeu o valor, a Petrobrás voltará a ganhar.

Há outro assunto que gostaria ainda de abordar nesta Análise: a fuga dos capitais estrangeiros, em pânico, com o comunismo do governo Lula. Lamentamos dar informações contrárias. A semana foi rica em notícias.

Um cortejo de montadoras desfilou no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio para falar com o ministro Alckmin. Todos estão apressados em fazer grandes investimentos no Brasil. Estiveram em entendimentos a BYD, a Toyota, a GWM, a Stellantis (que reúne a Volks, a GM e a Fiat), a Renault, a Mercedes, a Nissan. Somadas, as intenções de investimento atingem o total de R$87,8 bilhões, sendo que R$67,2 bilhões teriam início nos próximos 3 meses.

Se os planos forem concretizados teremos, nos próximos tempos, um grande crescimento do PIB, do emprego, da massa salarial e, consequentemente, da demanda. E o Brasil voltará ao seleto time dos maiores produtores de veículos do mundo.

Que se cuidem as carpideiras do caos. Os golpistas precisam agir rápido.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Dulce Emile, Brenda Tiburtino, Maria Vitória Freitas, Lara Souza e Maria Fernanda Vieira.

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quinta-feira, 7 de março de 2024

Disputa de narrativas sobre o PIB: o que é bom e o que é ruim nos dados de 2023?

Semana de 26 de fevereiro a 03 de março de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A economia brasileira cresceu, em 2023, mais do que os “analistas de mercado” previram. A subida de 2,9% foi ótima e manteve o (leve) aquecimento econômico do imediato pós-pandemia. Isto foi devidamente publicizado nas mídias pró-governo, incluindo as redes sociais. Por outro lado, essas mesmas redes “denunciaram” a grande mídia por criarem manchetes que relativizavam o feito. Já adianto que o texto de hoje deve desagradar essa claque. Vamos ver que há motivos para o alerta, mas a situação não é tão grave quanto fizeram parecer.

Primeiramente, devemos lembrar que, no capitalismo, só consumimos coisas que são produzidas por terceiros, não por nós mesmos. Cada um de nós acessa esses produtos através do mercado, comprando as mercadorias que necessitamos. Como consequência, temos a chamada lei da oferta e da procura: se a demanda sobe mais rápido que a oferta, o preço do produto aumenta; se a oferta sobe mais rápido que a demanda, o preço cai. Com base nisso, construíram-se os argumentos das análises da grande mídia.

Pois bem, o Consumo da Famílias no Brasil cresceu 3,1% entre 2022 e 2023. Isto significa que aumentou a demanda por mercadorias dentro do país. Isto é um reflexo direto do aumento na renda real da população brasileira. De acordo com dados da PNAD Contínua (apresentados na tabela a seguir), o rendimento dos brasileiros cresceu em torno de 5,2% entre os anos de 2022 e 2023. Por sua vez, a renda cresceu mais para os Empregadores (10,5%), Empregados no setor privado sem carteira assinada (9,3%) e Trabalhadores por conta própria (6,1%). O pior desempenho ficou para os trabalhadores com carteira assinada, seja Empregado no setor público (aumento de 2,1% no rendimento), seja Empregado no setor privado (3,1% de aumento).

Rendimento médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho, efetivamente recebido no trabalho principal (Reais)

Brasil

Ano

Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal

Total

Empregado

Empre-gador

Conta própria

Setor privado com carteira

Setor privado sem carteira

Domés-tico

Setor público com carteira

Setor público sem carteira

Setor público - militar e funcio-nário público estatutário

Média 2022

R$ 2.864

R$ 2.937

R$ 1.841

R$ 1.116

R$ 4.626

R$ 2.455

R$ 5.447

R$ 6.757

R$ 2.196

Média 2023

R$ 3.012

R$ 3.028

R$ 2.012

R$ 1.168

R$ 4.722

R$ 2.567

R$ 5.718

R$ 7.469

R$ 2.330

Variação

5,2%

3,1%

9,3%

4,7%

2,1%

4,6%

5,0%

10,5%

6,1%

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE - PNAD Contínua trimestral

Assim, tendo em vista que o consumo e a renda internos cresceram, é preciso que a produção local e/ou as importações também cresçam. Caso contrário, com o aumento da demanda e estagnação da oferta, haverá séria pressão para o aumento dos preços. E os dados de 2023 alertam para isso.

Primeiramente, a produção industrial brasileira cresceu apenas 1,6% entre 2022 e 2023, enquanto a produção de serviços subiu 2,4%. Já os investimentos caíram 3% e as importações, 1,2%. Este é o grande ponto levantado pelos “relativizadores” do bom desempenho do PIB. O consumo e a renda estão em alta, mas a oferta interna não está crescendo na mesma velocidade, muito menos os investimentos.

Contudo, isto ainda não é um desastre. Diante da estagnação que o Brasil vive desde 2017 e da Pandemia de Covid-19, a estrutura produtiva brasileira tem apresentado elevado grau de ociosidade. Ou seja, há capacidade instalada na indústria nacional, mas ela não está sendo utilizada plenamente em muitos dos setores.

Segundo estatísticas da CNI (apresentados na tabela a seguir), a Indústria de transformação brasileira apresentou uma média de 78,7% no uso da sua capacidade instalada (UCI) ao longo dos 12 meses de 2023, uma queda em relação ao observado em 2022. A situação mais crítica está nas atividades de Celulose e papel (média de 92,4% de UCI ao longo de 2023); Outros equipamentos de transporte (90,5%); e Coque, derivados do petróleo e biocombustíveis (90,4%). Para suprir as necessidades internas, essas atividades precisam urgentemente ampliar seus investimentos. Por sua vez, dos 21 setores analisados, seis estão com UCI entre 80% e 90%. A maior parte das atividades (12 delas) tem UCI abaixo de 80%, com destaque negativo para Metalurgia (64,7%) e Bebidas (56,4%).

Média do Uso da Capacidade Instalada (em %) por atividade industrial

2022

2023

Diferença

Alimentos

82,0

79,9

-2,1

Bebidas

57,4

56,4

-1,0

Borracha e material plástico

73,5

73,4

-0,1

Celulose e papel

91,2

92,4

1,2

Coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis

86,1

90,4

4,3

Couro e calçados

87,0

86,2

-0,8

Farmoquímicos e farmacêuticos

77,8

74,5

-3,3

Impressão e reprodução

80,6

80,9

0,3

Madeira

79,9

73,6

-6,3

Máquinas e equipamentos

75,4

74,3

-1,1

Máquinas e materiais elétricos

84,0

76,8

-7,2

Metalurgia

72,0

64,7

-7,3

Móveis

80,4

81,0

0,6

Outros equipamentos de transporte

91,7

90,5

-1,2

Produtos de metal

78,6

76,6

-2,0

Produtos de minerais não metálicos

83,5

77,5

-6,0

Produtos diversos

75,3

75,7

0,4

Químicos (Exceto Perfumaria, Sabões, Detergentes e Produtos de Limpeza e de Higiene Pessoal)

74,0

72,6

-1,4

Têxteis

83,9

82,2

-1,7

Veículos automotores

85,8

82,4

-3,4

Vestuário e acessórios

82,0

81,4

-0,6

Indústria de Transformação

80,6

78,7

-1,9

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Indicadores CNI

Os dados mostram que, no curto prazo, é possível que a produção do país cresça sem criar grandes pressões inflacionárias domésticas. Mas, reforçam também a necessidade de ampliação dos grandes investimentos no país, tanto público quanto privado. Isso, associado à renovação da estrutura produtiva que incorpora as tecnologias mais modernas, tende a criar um ciclo virtuoso de crescimento para os próximos anos (aqui entram o papel do Novo PAC e da Nova Indústria Brasil).

A questão que sempre se coloca é: será que burguesia brasileira vai aderir aos projetos? Pelo histórico, as chances de isto dar certo não são muito grandes. Mas é isso, a esperança é a última que morre...


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Guilherme Gomes, Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.

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